Saúde mental da mulher preta



A Pesquisa Nacional de saúde de 2013 relatou que 47,78% das mulheres com depressão eram pretas e 31,36% são brancas.

Registros de Violência física na Bahia em 2013, segundo dados do Ministério da Saúde mostraram que 73,5% das mulheres que sofreram violência física era de mulheres pretas e 63,3% de mulheres brancas.

Segundo o IBGE de 2010, 52,2% das mulheres pretas estavam sozinhas ou sem união, independente do estado civil.
O Mapa Nacional da Violência 2015, relatando os índices de homicídio de 2013 no Espírito Santo, registrou 36 mortes de mulheres brancas e 129 mortes de mulheres negras.

Os dados demonstram uma discrepância quando é feito um recorte de raça/cor, principalmente nos registros de homicídio. O que vemos diariamente é que a misoginia e o racismo são realidades cruéis na vida da mulher preta e interferem significativamente na saúde emocional das mulheres pretas.

Diante de um fato tão complexo e de dados estatísticos e teóricos tão escassos sobre a saúde mental da mulher negra. Resolvi trazer para vocês não os dados, mas vivências da mulher preta que eu sou e que talvez você que me lê também é.

Desde cedo ouvimos frases ditas ou não ditas, mas ditas por gestuais, falas indiretas e olhares que marcam profundamente a nossa alma: “Você é a mais feia”, “macaca”, “cabelo de pico”, “nega feia” e outros adjetivos pejorativos ditos ao longo do nosso desenvolvimento.
Ora, essa violência psicológica, gerada pelo racismo, contribuem para a construção de uma imagem negativa do sujeito e geram sentimentos de baixa estima, insegurança,  introspecção...   

A consequência do racismo para a saúde mental da mulher preta é implacável. Vemos como resultado disso a timidez, irritabilidade, silenciamentos e muitos outros comportamentos provenientes dessa não aprovação social. Cenário favorável para o desenvolvimento de doenças tais como a hipertensão, obesidade, depressão, ansiedade e outras doenças crônicas.  

Eu me deparei com o tema saúde mental da mulher preta de forma ainda mais forte com a prática clínica.

Em especial eu queria trazer para vocês o caso de Tereza Z.

Tereza Z. chegou ao meu consultório com queixa de  depressão, baixa estima, ansiedade  e conflitos de identidade. No de correr do tempo Tereza Z me falou de fatos ou situações muitas vezes repetidas por outras mulheres pretas. Inclusive comigo, mulher preta que sou!  A base das dificuldades na saúde emocional de Tereza Z tinha uma raiz estrutural. O racismo.

Tereza Z vivenciou suas  piores experiências com o racismo na escola. Lembra especialmente de um fato em sala de aula onde os alunos fizeram um ranking das meninas mais bonitas da sala. Tereza Z foi a última colocada. Logo todos diziam que  Tereza Z era a menina mais feia da sala. E porque era a mais feia da sala? Porque Tereza Z era preta.

No livro Tornar-se Negro, Neusa Santos Souza, relata que A IDENTIDADE DO SUJEITO DEPENDE EM GRANDE MEDIDA DA RELAÇÃO QUE ELE CRIA COM O CORPO.

Ao tomar consciência do racismo o psiquismo de Tereza Z é marcado pela perseguição do próprio corpo.

Ao construirmos nossa identidade buscamos a identificação com o outro, buscamos um padrão a ser aceito e nela construímos a nossa identidade.
Neusa Santos fala do IDEAL DE EGO. O Ideal de Ego é o modelo que se busca para estruturar o sujeito. 
Na nossa cultura, o padrão imposto pela sociedade é o padrão branco. Não estar dentro desse ideal dá ao preto o sentimento de ser inferior.  O ideal de Ego do negro é branco. Buscamos inconscientemente adequar-se ao padrão para sermos aceitos.

No desenvolvimento da mulher preta, e nessa busca inconsciente de adequação, quando criança, muitos colocam pregador no nariz para afinar, pano na cabeça brincando de cabelo e ainda o desejo de ser branca.  

Em busca desse Ideal de Ego, buscamos construir nossa identidade de forma disfuncional, desconexa. Muitos pretos mais tarde buscam ser o melhor na escola ou outros espaços como uma forma de compensação pelo fato de ser preto.

Mas isso não garante nenhum êxito. O ideal do Ego do preto que é ser branco é impossível! Não há como realizar esse ideal!

Diante dessa dura conclusão, o negro vislumbra 2 alternativas genéricas:

- Lutar, buscar novas saídas, se reconstruir como pessoa preta que é.

- Ou sucumbir às punições do superego – Melancolia, tristeza, depressão, perda da auto estima, sentimento de inferioridade, insegurança, timidez, vergonha, etc.

Aliás, sobre a vergonha, Vicent de Gaulejac no livro As origens da Vergonha, diz que a vergonha é um meta sentimento que tem raízes inconscientes ligados às situações vividas na infância ou adolescência que deixa o indivíduo especialmente sensível ás situações de poder e dominação.

A vergonha tem algumas características tais como: ilegitimidade( você não devia estar aí), inferioridade( ser menos que os outros) Violência( física, simbólica, psicológica, familiares/violências humilhantes que fragilizam a psique e levam a internalizar uma imagem negativa de si), dilaceramento( contradições internas ao verificar identificações impossíveis) Decadência( autoimagem decai, auto estima se dissolve, “olhar do outro” que traz uma avaliação negativa de si)

A vergonha se instala por ser indizível. Não se deve falar disso. É indizível porque falar nela levaria a tomar consciência de coisas reprováveis e se arriscar a ser também reprovado. O que não pode ser dito só aumenta o sentimento de culpa e deixa as situações ainda mais traumáticas.

O negro passa por diversas situações humilhantes e não há de se estranhar que a vergonha e timidez façam parte de suas vidas.

O silenciamento das consequências do racismo na saúde mental potencializa adoecimentos, pois temos a impressão que sofremos sozinhos. Precisamos falar sobre o racismo! Precisamos dizer, e ao dizer somar forças, nos fortalecer! Já existe em muitos lugares um movimento forte de empoderamento negro. Vamos soltar nossos cabelos, destacar nossa cor, falar! Junte-se! Fale! Rompa o silêncio!


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